Advertising
  • Fajr
  • Amanhecer
  • Dhuhr
  • Asr
  • Maghrib
  • Isha

Siga-nos no Facebook

Portugal entre dois silêncios: o da mesa e o do Estado

Ontem 13:15
Portugal entre dois silêncios: o da mesa e o do Estado

À mesa, não se fala de política. À mesa, não se fala de problemas. À mesa, engole-se em seco e finge-se que o país funciona. 

Talvez seja por isso que as eleições locais que estão ocorrendo estão sempre se tornando mais um ritual mecânico: o Estado é criticado, os políticos são acusados ​​de incompetência, mas o mesmo silêncio confortável é mantido entre as mordidas.

Vivemos num país onde o futuro dos jovens parece hipotecado a aluguéis absurdos, empregos precários e salários insuficientes para sonhar com filhos. Mas quando se fala nisso, não se fala a sério. Piadas, memes e indignações passageiras são divulgadas nas redes sociais e, no minuto seguinte, voltamos ao silêncio. Não se debate em casa, não se debate à mesa, nem sequer se debate em espaço público sem medo de julgamento ou cancelamento. E então nos espantamos quando os extremos crescem, oferecendo soluções fáceis a uma sociedade que prefere atalhos à reflexão.

O espelho da nossa leviandade está em toda parte. Nos cartórios e câmaras municipais que arrastam processos básicos por anos, nos guichês onde apenas determinadas multas são emitidas por dia e nos sites de digitalização que mais parecem buracos negros. E quando nos pedem documentos inúteis, assinaturas ridículas e certidões sem base legal, a maioria de nós engole e obedece. E obedece porque é mais simples obedecer a exigências ilegais do que recorrer a tribunais que nunca decidem a tempo. E assim, com a passividade de cidadãos domesticados, alimentamos a máquina da ineficiência.

Curiosamente, exigimos coragem dos políticos, exigimos modernização do Estado e exigimos mudanças das autoridades locais. Mas esquecemos de exigir de nós mesmos a coragem de falar, de debater, de contrariar o silêncio que começa em casa. Afinal, como podemos esperar uma Administração moderna se não conseguimos sequer discutir o óbvio à mesa? Como podemos exigir transparência se aceitamos filas intermináveis ​​e compromissos impossíveis como se fossem parte natural da vida? Como podemos esperar diálogo democrático se temos medo até de opinar num jantar em família?

Portugal vive imerso entre dois silêncios: o silêncio social, que gera cidadãos apáticos, e o silêncio administrativo, que paralisa o Estado. E os dois se alimentam mutuamente. O cidadão que não protesta está acostumado a preencher papéis inúteis. O Estado que não funciona está acostumado a lidar com cidadãos que baixam a cabeça.

Às vésperas de mais uma eleição municipal, talvez valha a pena um exercício simples: olhar-se no espelho. Não para rir do político de quem não gostamos, mas para encarar a nossa própria complacência. Porque a verdade é que a democracia não se esgota no voto e o Estado não se reforma.

O futuro exige diálogo, exige ação consciente, exige que falemos sobre ele à mesa, mesmo que isso estrague o jantar. Exige que não aceitemos um estado de séculos passados ​​como se fosse um destino inevitável. O futuro exige que sejamos capazes de quebrar o ciclo do silêncio e da leviandade. E isso, caros portugueses, não depende apenas de quem elegemos. Depende, antes de mais nada, de nós.



Leia mais

×

Baixe o aplicativo Walaw