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Bitola ibérica exclui milhões da UE a fundo perdido
Governo prepara-se para pedir a Bruxelas regime de exceção. Ministério das Infraestruturas diz que está ‘em negociações’
Portugal insiste em avançar com a rede de velocidade em bitola ibérica quando Bruxelas dita as regras em bitola europeia. Ao que o Nascer do SOL apurou, com esta opção está em risco o cofinanciamento de verbas comunitárias em 70%, daí o Governo estar preparado para avançar com um pedido à União Europeia para que o projeto que irá ligar Lisboa e Porto possa ser alvo de uma exceção. Ao nosso jornal, o Ministério das Infraestruturas diz apenas que «o Estado Português está em conversações com a Comissão Europeia sobre este tema».
Este impasse surge numa altura em que a Infraestruturas de Portugal (IP) já recebeu duas propostas no concurso público para a concessão da linha ferroviária de Alta Velocidade entre Porto (Campanhã) e Oiã que integra a 1.ª de três fases da nova Ligação Porto–Lisboa e que levou o ministro das Infraestruturas e Habitação a referir que se trata do início de um caminho decisivo com vista «a construir decisões políticas que impactam muito positivamente» na vida dos portugueses. «Estamos a construir futuro. Muito mais que descarbonizar, trata-se de mudar o modo de pensar relativamente ao transporte, uma decisão de verdadeira coesão territorial e social. Ir de Lisboa ao Porto em 1h15? Porquê usar um avião quando o comboio o assegura? Decisões de hoje, para uma vida inteira», disse Miguel Pinto Luz.
Mas esta decisão em torno da bitola europeia põe em causa o regulamento das redes transeuropeias publicado pela Comissão Europeia, que, em junho deste ano, determinou as especificações da interoperabilidade com a rede única ferroviária europeia, em que a «nova lei visa construir uma rede de transportes fiável, integrada e de elevada qualidade que garanta uma conectividade sustentável em toda a Europa, sem interrupções físicas, estrangulamentos e ligações em falta». Uma exigência que, de acordo com os especialistas ouvidos pelo nosso jornal, pressupõe que a construção desta rede seja feita em rede europeia e não apenas ibérica, tal como o Governo defende.
Uma opção que, ao que o Nascer do SOL apurou, irá impedir que o projeto em alta velocidade receba 70% do cofinanciamento europeu, e daí o recurso ao empréstimo ao Banco Europeu de Investimento na ordem dos três mil milhões para uma PPP entre Porto e Soure a pagar em 30 anos. Um grupo de 16 técnicos chegou a enviar uma carta ao BEIa pôr em causa a opção do Governo em apostar na bitola ibérica, considerando que esta decisão «é errada do ponto de vista técnico e económico e, cujo processo está vocacionado apenas para passageiros e não para mercadorias», diz o documento a que o nosso jornal teve acesso.
Uma questão que acabou por ter resposta por parte do BEI, que sublinhou que o projeto ainda não tinha sido aprovado e, como tal, a reclamação seria tratada no âmbito do ‘Procedimento Preventivo’ e «que seria transferida para os serviços operacionais do BEI irão considerar as preocupações». É certo que esse pedido de empréstimo recebeu entretanto luz verde.
Esse alerta por parte do mesmo grupo já tinha sido dado a Luís Montenegro, ainda como presidente do PSD, questionando se Portugal estaria disponível para «deixar perder centenas de milhões de euros ao insistir na bitola ibérica». E alertavam para a solução que consideram ser mais vantajosa, defendendo que o plano de construção do estratégico ferroviário ‘Corredor Atlântico’ terá de passar por bitola europeia, via dupla, alta velocidade e projetada para tráfego misto, «essencial para assegurar a competitividade das empresas nacionais produtoras de bens transacionáveis – como é o caso da Autoeuropa – e atraindo novos investimentos para dinamizar a nossa economia, a exemplo da vizinha Espanha que , apostando na nova ferrovia desde 1992», daí conseguir atrair novas investimentos, nomeadamente alemães.
Num artigo de opinião publicado na semana passada pelo Nascer SOL, Henrique Neto, que integra este grupo de 16 técnicos, afirmava que «a bitola ibérica não é uma boa solução» porque tornaria Portugal numa ilha ferroviária, «como o único país da Europa com uma bitola diferente de todos os outros, incluindo a Espanha, na medida em que este país iniciou há trinta anos a mudança da bitola e já tem hoje um dos mais modernos sistemas ferroviários europeus em bitola UIC, nomeadamente nas ligações a França, que são as que lhes permitem viajar por toda a Europa. Foi aliás essa a decisão do encontro luso-espanhol da Figueira da Foz entre Aznar e Durão Barroso, que decidiram fazer as ligações entre os dois países em bitola europeia».
Já em termos de investimento, chamava a atenção para o facto de a União Europeia estar apoiar a fundo perdido até 70% dos custos os investimentos em bitola europeia, o que não acontece com a bitola ibérica e de isso ter de ser feito com prazos apertados até 2030 e 2040. «O que torna absurda a decisão do Governo anterior de optar por três parcerias público/privadas para pagar a nova linha de Lisboa ao Porto e de para o primeiro troço já haver um pedido de empréstimo de três mil milhões de euros ao BEI- Banco Europeu de Investimento». E questionava: «O que pode justificar o aumento da já enorme dívida pública portuguesa, se existe financiamento da UE a fundo perdido para grande parte do custo?».
Tal como o nosso jornal já avançou, mesmo que Portugal mantenha a intenção de avançar a construção em bitola ibérica, terá até ao final de 2030 que migrar a linha para a bitola europeia, que é cerca de 23 centímetros mais estreita. O argumento que tem sido usado pelo Governo para esta escolha diz respeito ao facto de Espanha usar bitola ibérica, mas os especialistas chamam a atenção para o facto de o país vizinho já ter mais de quatro mil quilómetros de linhas de alta velocidade em bitola europeia, apesar de manter a bitola Ibérica para muitas ligações regionais e tráfego de mercadorias.
O porto de mar de Barcelona já está ligado à Europa por bitola europeia e existem planos para alargar essa linha do Mediterrâneo, para passageiros e mercadorias, aos portos de Valência e de Algeciras.
Alternativa
A ideia é que este projeto se apresente como uma alternativa de transporte ferroviário competitivo (nomeadamente com o avião), em que uma viagem Porto/Lisboa irá demorar 1h15, enquanto a ligação Lisboa/Madrid será de 3 horas, anunciando-se como «uma alternativa ferroviária competitiva aos 40 voos diários entre Lisboa e Madrid e de cerca de 20 entre Porto e Lisboa».
Em termos de impacto nacional, vai reduzir o tempo de percurso Lisboa-Elvas para cerca de 2h em 2025 e para cerca de 1h em 2034, quando todo o percurso estiver operacional. Já na ligação entre Lisboa e Madrid, a alta velocidade reduzirá o tempo de percurso para 6h em 2027 e para 3h em 2034, quando todo o percurso estiver operacional. «Desta linha está construída a ligação Badajoz-Placencia e Toledo-Madrid, em construção e ligação Évora-Elvas (Caia) e a ligação Placencia-Talayuela (que entrará ao serviço em 2027), e a construir a TTT, a ligação Poceirão-Évora e a ligação Talayuela-Toledo», diz, acrescentando ainda que «a calendarização dos investimentos será compatibilizada com Espanha, para garantir uma execução coordenada e atempada do projeto, otimizando plenamente a disponibilidade de financiamento europeu».